CRÍTICA | AS CONTRADIÇÕES E METÁFORAS DO FILME AVES DE RAPINA (SEM SPOILERS)

quinta-feira, fevereiro 06, 2020


Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa é o novo título da DC para os cinemas e chega nesta quinta-feira (06) às telonas. Ainda que filme tenha estreado no Rotten Tomatoes com 91% de aprovação da crítica e que traga a promessa de um longa eletrizante e repleto de boas críticas sociais, o negócio não funciona bem assim.

A trama traz, além de Margot Robbie no protagonismo, também nomes como Mary Elizabeth Winstead (como a Caçadora), Jurnee Smollett-Bell (como Canário Negro), Rosie Perez (como Renee Montoya) e a jovem Ella Jay Basco (como Cassandra Cain). Ewan McGregor surge como o vilão Máscara Negra, com Chris Messina vivendo o assassino Victor Zsask.

A direção é de Cathy Yan, mas não basta que uma obra seja ser dirigida por uma mulher e que traga um elenco repleto de representatividade – com uma negra, uma latina e uma asiática mostrando suas forças para além da personagem branca – para que um filme possa ser considerado com uma linha girl power ou para que seja levado a sério por alguma reflexão social válida.

AS ENTRELINHAS QUE ESTÃO NA BASE DE TUDO

Na trama, conhecemos a Arlequina após a sua separação com o Coringa, buscando mostrar seu valor e poder para o povo da cidade de Gotham. Sem o Coringa em sua vida, a sociedade a passa a não respeitá-la, o que nos lembra de momentos reais e cotidianos, como quando um homem pede desculpa ao namorado de uma moça por tê-la assediado – e não a ela.

Assim, a noção de que uma mulher acaba socialmente mais "protegida" aos olhos de outros homens por ter um namorado, irmão, pai ou outra figura masculina ao seu lado é um dos pontos que ganha boas críticas na obra. São diversos os momentos em que os personagens masculinos falam sobre a necessidade de que haja um homem na vida de uma mulher para que esteja completa e seja, finalmente, considerada como algo de mais valor. E a trama consegue quebrar essa ideia com boas mensagens e toques de sororidade, mostrando que uma figura feminina pode ser mais firme sozinha, e que mesmo assim é um ser humano e pode ser ainda mais forte se pedir ajuda a outras mulheres em alguns casos.

Cenas em que mulheres se calam ao observarem atos abusivos acontecendo com outras também mostram um reflexo social do medo e terror psicológico que sofremos, fazendo com que poucas reajam. Mas o filme consegue trabalhar bem a demonstração de como isso deve ser feito de maneira diferente.

A falta de crédito/reconhecimento dado às mulheres (que tantas vezes ficam à sombra de homens que não merecem) também é outro tópico bem abordado. São diversas as personagens que criam as melhores estratégias, que fazem o trabalho duro, e que, no fim, perdem seus cargos para homens que pouco fizeram. Arlequina, inclusive, teria sido a mente por traz de muitos dos planos do famoso Coringa, mas ele é que levava toda a fama por cada ato.

GRANDES CONTRADIÇÕES


O problema, porém, é que desse aspecto começam a surgir diversas contradições. A protagonista mostra suas habilidades em lutas e consegue pensar rápido em alguns casos, mas em diversos momentos não faz bons planos e não sabe improvisar bem, como se fosse posta justamente no papel de lerda e inútil que a sociedade a queria colocar.

Por um lado, é óbvio que fica aí uma crítica mais profunda: de que qualquer pessoa forte e inteligente pode errar, não conseguir apresentar seu nível de capacidade em todas as situações... e nada disso deve tornar menos válido tudo o que ela já fez e mostrou que consegue alcançar. Afinal, se uma mulher comete um erro, costuma ter todos os pontos da sua vida anulados – muito mais do que costuma acontecer com os homens.

Mas enxergar as entrelinhas mais reflexivas não salvam todas as contradições do longa. Os critérios políticos, culturais e sociais no filme que prevalecem na protagonista não são feministas e não, sequer, um pico de aprendizado para que seja feito o contrário. Se o filme começa mostrando as consequências de coisas ruins que ela plantou por aí (como pessoas revoltadas indo atrás dela), depois é totalmente esquecido que não ajudar outras mulheres, por exemplo, pode trazer péssimos reflexos para o próprio caminho.

O longa não mostra os propósitos reais de vida da personagem. Ela ama o seu lado detetive? Ela ama matar (o que poderia ser visto até metaforicamente)? O que realmente ela quer fazer? Ela chega a querer iniciar o próprio negócio, mas não demonstra sede por nada para o futuro (nada além de querer se livrar da sombra do ex-namorado, o que tem a sua importância, já que nenhuma mulher deve ser reconhecida apenas como "namorada de fulano" ou ter suas qualidades diminuídas por conta de algum relacionamento: mas falta aprofundar o que a move ou, ao menos, a tentativa de descobrir o que pode a mover de fato). Falta abordar seu histórico para além do que viveu ao lado de um homem, sendo essa mais uma contradição, já que é justamente o que o filme tenta quebrar em alguns momentos.

Além do ponto, em todas as vezes que a Arlequina comete atrocidades com outras figuras femininas do filme, ela é perdoada e ajudada após. Obviamente, é necessário que as mãos sejam dadas mesmo para aquelas que não agem da maneira mais empoderada, afinal, estamos todos em etapas de construção, mas ela não parece aprender absolutamente nada com tudo isso, e é aí onde o problema mora.

O filme, que tenta tratar de assuntos importantes e delicados, traz momentos bobos, tentando entreter com piadas prontas e takes alucinados, e acaba não se levando a sério. Como o público, então, poderá levar? É difícil que o filme agrade quem está procurando procurando alguma substância, mais sentido ou ideias das originais. Quem busca um aprofundamento no trabalho em equipe também vai achar pouco no que se segurar, ainda que o longa, pela explicação do próprio título, devesse focar mais nisso.

A produção, portanto, não funciona para uma análise mais aprofundada da coisa e tenta jogar cores, violência gratuita para fazer com que o público não se preocupe tanto com a falta de coerência.


MAIS TENTATIVAS FALHAS

É por tentar fazer um Coringa em forma de mulher e ao mesmo tempo exibir aprendizados feministas que o filme falha mais. O Coringa vive apontando os lados mais sombrios da sociedade e acaba formulando críticas sociais por isso. A Arlequina, na trama, porém, faria suas críticas ao evoluir de alguma forma, mas não é o que ocorre em momento algum. A tentativa é a de mostrar as diversas camadas de uma personagem, mas ela acaba sendo rasa e deixando o seu filme contraditório a cada novo take. Ela está longe de ser qualquer representação do feminismo.

Não há, inclusive, nenhum aprofundamento da história de vida de Arlequina para além da relação dela com o Coringa. Além dos defeitos primordiais de roteiro, o longa ainda peca por cartoonizar demais a personagem. A atuação de Margot não deixa a desejar, já que é visível que dentro do que foi pedido, ela arrebenta. A questão, porém, é justamente o que foi pedido. Em um filme que tenta soar mais realístico, ela soa como um desenho animado o tempo inteiro (assim como são diversos outros detalhes de muitas cenas), forçando risos e uma voz que mais parece dublagem do que atuação de live action.

Na mesma produção que tenta dar tons reais em outros aspectos, lá para o final coisas fantasiosas acontecem, além de absurdos sem explicação, como personagens que claramente deveriam ter morrido e ressurgem do nada. Fica tudo surreal demais para uma obra que quer falar do que é tão palpável e que tenta soar como mais pé no chão em tantos momentos.

ACERTOS COM MAIS METÁFORAS

Entre pontos positivos e negativos, um bom destaque de salvação fica para os figurinos e as makes que brincam com cores e formatos para fazer metáforas importantes sobre os sentimentos da personagem. A ideia de estar sempre colorida por fora enquanto sofre toda a pressão social cria uma boa analogia sobre depressão e outros quesitos sociais e atuais que são vividos pela tentativa de alegria constante.

Outra entrelinha positiva é que a loucura que a personagem parece carregar é um dos seus maiores pontos de força. A questão é utilizada, por exemplo, como crítica para quando tantos homens taxam mulher como 'loucas' apenas para não validar as suas opiniões, enquanto o que elas podem estar falando ou fazendo é justamente o que deveriam.

Um dos maiores acertos do filme é uma Gotham que, apesar de continuar sendo caótica, dessa vez aparece bastante à luz do dia, cheia de cores, com uma vida efervescente, o que combina com as cores utilizadas pela personagem para esconder as suas tristezas. Assim, vemos mais metáforas sagazes feitas sobre o universo das redes sociais e de tantas mulheres que acham que precisam esconder as dores para não serem ainda mais julgadas como fracas. A fortaleza, porém, está justamente quando essas mesmas mulheres deixam que a ajuda chegue e mostram seus lados mmais vulneráveis.

As personagens se unindo logo após mostrarem que pouco tem em comum superficialmente também ganha destaque. Afinal, no fundo, todas têm, tanto como seres humanos como nas lutas diárias como figuras que sofrem os preconceitos sociais.

NÃO VOA LONGE

Assim, a fotografia, os figurinos e a trilha sonora também chamam a atenção de maneira assertiva. Mas, apesar de bem coreografadas, as cenas de luta não contam boas histórias e servem apenas como repetições para exaltar o que já sabemos sobre os personagens. Não há nada de eletrizante, apenas grandes clichês.

Apesar de tais pontos, o longa perde o que poderia torná-lo grande por ser previsível, recheado de personagens caricatos e piadas prontas, além de, principalente, cair em contradições que enfraquecem as suas principais mensagens, colocando, ainda, a exposição gratuita do corpo feminino e a ausência da evolução e aprofundamento de personagens como erros que fazem muito ir por água abaixo.

Em comparação a Esquadrão Suicida, o longa se sobressai e apresenta algo melhor, com uma direção mais repleta de boas tentativas, mas, ainda assim, não se salva. Aves de Rapina era para ser sobre libertação e libertação é sobre evoluir, mas poucos saem das caixinhas e tudo acaba sendo mais sobre prisão. É um filme que não sabe o que quer ser. Sério ou idiota? De tanto nada, ele responde com a segunda opção. Poderia ser sobre crescer socialmente, mas voa raso e acaba aterrisando em fundos buracos.

NOTA: 5.0 [DE 10]

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3 COMENTÁRIOS

  1. Ainda não vi esse filme, mas achei legal a sua resenha.
    Pode fazer uma gentileza, respondendo a minha PESQUISA DE PÚBLICO do blog?
    Obrigada!
    Big Beijos,
    Lulu on the sky

    ResponderExcluir
  2. Agora fiquei curiosa! Por mais que tu tenhas de decepcionado, fiquei super intrigada pra ler nas entrelinhas que tu apontaste! Muito legal a resenha! Mas eu sendo eu, não consegui deixar de reparar no quanto a direção de fotografia desse filme é linda! Adorei os contrastes e os filtros!

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  3. Olá!
    Eu já não levei muita fé nesse filme desde que anunciaram, e agora dps do lançamento ainda não senti vontade de conferir (ou fui convencida a isso).
    Uma pena que seja contraditório e não saia da caixinha...
    Bjs
    http://acolecionadoradehistorias.blogspot.com

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